Segundo Papa Francisco, “a atenção pelos pobres está no Evangelho,
não é uma invenção do comunismo”
O Papa Francisco, sempre que lhe é
perguntado, reforça a opção pelos pobres, na ação da Igreja, e recusa
veementemente qualquer colagem do seu pontificado ao comunismo. “A atenção
pelos pobres está no Evangelho, não é uma invenção do comunismo”, declara a
todos os jornalistas.
No livro intitulado ‘Papa Francisco. Esta
economia mata’, publicação dedicada ao magistério social do pontífice argentino,
o Papa sublinha que “a atenção pelos pobres” faz parte da tradição da Igreja e
que “é preciso não a ideologizar”, porque tem a sua origem documentada “nos
primeiros séculos do Cristianismo”.
“Quando a Igreja convida a superar a
globalização da indiferença, está longe de qualquer interesse político ou de
qualquer ideologia”, exemplifica Francisco, ao criticar uma globalização que,
apesar de ter ajudado muitos pessoas a superar a pobreza, condena “muitas
outras a morrer de fome”, provocando um aumento das desigualdades e negando a
dignidade do ser humano.
“A cultura do descarte leva a recusar as
crianças, também com o aborto”, alerta.
O Papa retoma as preocupações com a
“eutanásia escondida dos idosos que são abandonados” e com os altos índices de
desemprego juvenil, deixando uma pergunta: “Qual será o próximo descarte?”.
Para Francisco, é essencial “parar” e deixar
de considerar a atual situação como “irreversível”, procurando colocar no
centro da Economia “o homem e o seu bem, não o dinheiro”. “Sem uma solução para
os problemas dos pobres, não resolveremos os problemas do mundo”, sustenta.
Neste sentido, o pontífice argentino contesta
uma “autonomia absoluta” dos mercados e da especulação, que contraria a
necessidade de “resolver as causas estruturais da pobreza”. Em conclusão,
Francisco recorda que o Evangelho “não condena os ricos, mas a idolatria da
riqueza, que os torna insensíveis aos gritos dos pobres”, pelo que considera o
‘pauperismo’ como “uma caricatura do Evangelho e da própria pobreza”.
Os católicos, defende, são chamados a “cuidar
do próximo, de quem é pobre, de quem sofre no corpo e no espírito, de quem
passa necessidade”.
Os documentos dos bispos latino-americanos –
em particular de Medellín e Puebla – falam da “necessidade de conversão de toda
a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres, em vista de sua
libertação integral” (Puebla, n.1134).
Jesus fez a opção pelos pobres
Jesus cresceu no meio de uma realidade
conflitante de exploração econômica, de convulsões sociais, de desintegração
crescente das instituições e de explosões messiânicas. Desde o início de seu
ministério público, Jesus rompe com o poder que escraviza, em sua tríplice
dimensão – econômica, política e religiosa –, e assume a causa da libertação
dos pobres, presos, cegos e oprimidos (Lc 4,18-19).
A parábola do samaritano solidário (Lc
10,25-37) ilustra bem a opção e a caminhada profética feita por Jesus, modelo
para todos os que o seguem. Jesus contou a parábola do Bom Samaritano em
resposta a um doutor da lei que lhe tinha perguntado: “Mestre, o que preciso
fazer para herdar a vida eterna?”. Diante da preocupação do doutor da lei a
respeito da “vida eterna”, Jesus indica o caminho que promove a vida sem
exclusão já neste mundo. O centro da parábola é “um homem”, ícone de todas
as pessoas em situações de necessidade. Um homem vítima de assalto, semimorto,
abandonado. Jesus revela, nessa parábola, aguda percepção da realidade social.
Denuncia o sistema de exclusão e subverte os valores estabelecidos pelos
senhores do Templo, aqui representados pelo sacerdote e pelo levita.
Ambos viram o homem abandonado e passaram adiante.
Contrariamente age o samaritano, pertencente a um povo odiado pela elite
religiosa judaica, idealizadora do sistema do puro e do impuro.
A parábola reflete a prática cotidiana de
Jesus de Nazaré. Sua vida foi pautada por atitudes de amor e solidariedade,
sensibilidade e carinho, acolhida e perdão, cuidado e indignação. Em todos
os lugares, suas palavras e ações são portadoras de liberdade e vida para os
possessos das ideologias dominantes, para os doentes, enfermos e excluídos
(pobres, mulheres, pecadores, estrangeiros).
Há quem diga: Jesus não era nem de
direita nem de esquerda, nem de cima nem de baixo… Seria ele um ser etéreo? Ele
não fugiu do mundo, dos conflitos e exigências da época. Ele não fica a igual
distância dos grupos. Ele participa e toma posição, e o faz a partir de um
“lugar social” bem preciso, definindo-se diante da questão vital: a instauração
de uma sociedade outra, diferente…
A Igreja fez a opção pelos pobres
O Concílio Vaticano II, por meio
da Gaudium et Spes, formulou princípios orientadores para a missão da
Igreja num mundo desigual e em transformação.
No fim do Concílio, 40 bispos latino-americanos prepararam
e assinaram o “Pacto das Catacumbas da Igreja serva e pobre”: Procuraremos
viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação,
à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Para sempre
renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje, nas
insígnias. Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco… em
nosso próprio nome.
Medellín falou alto da temática eclesial da
libertação e Puebla da opção preferencial pelos pobres, duas balizas das Comunidades
Eclesiais de Base (Cebes). Assim como colaborou a “conversão” da Igreja
latino-americana: a descentralização, o movimento do baixo para o alto e da
periferia para o centro, enquanto a práxis milenar da Igreja é de cima para o
baixo e do centro para a periferia.
Simplificando muito, poderíamos dizer que um
grupo de vizinhos, geralmente pessoas das classes populares, decide se
encontrar com espírito de fé, tendo também proximidade de consciência social:
nasce uma CEB. Então determinantes são os encontros, que podem ser semanais ou
quinzenais. Eles são na linha do chamado “círculo bíblico”.
Podemos colocar assim: nos encontros o grupo
pega numa mão a Vida e na outra a Bíblia, confronta as duas e decide o que
fazer. Em outras palavras: após a oração inicial, os participantes tomam
conhecimento da realidade - de um problema existencial, através de
dados ou de um fato - , em seguida eles procuram julgar ou iluminar a realidade
à luz da Palavra de Deus e, por fim, decidem o que fazer. Em suma, a Realidade
(a Vida da nossa sociedade) é projetada no espelho da Bíblia que nos traz a
Vontade de Deus: se a Realidade não bate com a Vontade de Deus (com o Reino de
Deus) precisa arregaçar as mangas, agir, mudar, transformar. É a hermenêutica
do método ver-julgar-agir.
Peregrina neste mundo, a Igreja precisa ser
discípula missionária do Senhor. Não distante, burocrática e sancionadora, mas
evangélica, comunitária, participativa, realista e mística (CNBB, Doc 100, n.
37). A preocupação da justiça foi sempre presente na Igreja, embora às vezes
fosse equivocada. É nesta preocupação que a Igreja desenvolveu
sua Doutrina Social.
O papa Francisco nos diz: “A proposta é
o Reino de Deus; trata-se de amar a Deus que reina no mundo. À medida que
Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade,
justiça, paz, dignidade para todos” (EG 180).
Dizer “opção pelos pobres” não quer dizer
“amar os pobres mais que os ricos”, mas “amar a todos, ricos incluídos, a
partir dos pobres”. Jesus não usa duas linguagens, não faz duas propostas: com
misericórdia, vai ao encontro de todos, oferecendo-lhes a oportunidade de um
novo caminho: é a libertação de todos a partir dos pobres. Zaqueu toma
consciência (Lc 19,1-10): enriquecera a custa do empobrecimento do povo. Ele se
compromete a restituir o que roubou e Jesus lhe garante: “Hoje a salvação
chegou a esta casa”.
O saudoso Dom Helder Câmara nunca se
perguntou sobre a opção pelos pobres, porque, para ele, só havia essa opção.
Essa era a opção do próprio Deus.
Pense nisso. Saúde e paz.