sexta-feira, 30 de junho de 2017

Por que a Igreja faz a opção pelos pobres?







Segundo Papa Francisco, “a atenção pelos pobres está no Evangelho, não é uma invenção do comunismo”

O Papa Francisco, sempre que lhe é perguntado, reforça a opção pelos pobres, na ação da Igreja, e recusa veementemente qualquer colagem do seu pontificado ao comunismo. “A atenção pelos pobres está no Evangelho, não é uma invenção do comunismo”, declara a todos os jornalistas.
No livro intitulado ‘Papa Francisco. Esta economia mata’, publicação dedicada ao magistério social do pontífice argentino, o Papa sublinha que “a atenção pelos pobres” faz parte da tradição da Igreja e que “é preciso não a ideologizar”, porque tem a sua origem documentada “nos primeiros séculos do Cristianismo”.
“Quando a Igreja convida a superar a globalização da indiferença, está longe de qualquer interesse político ou de qualquer ideologia”, exemplifica Francisco, ao criticar uma globalização que, apesar de ter ajudado muitos pessoas a superar a pobreza, condena “muitas outras a morrer de fome”, provocando um aumento das desigualdades e negando a dignidade do ser humano.
“A cultura do descarte leva a recusar as crianças, também com o aborto”, alerta.
O Papa retoma as preocupações com a “eutanásia escondida dos idosos que são abandonados” e com os altos índices de desemprego juvenil, deixando uma pergunta: “Qual será o próximo descarte?”.
Para Francisco, é essencial “parar” e deixar de considerar a atual situação como “irreversível”, procurando colocar no centro da Economia “o homem e o seu bem, não o dinheiro”. “Sem uma solução para os problemas dos pobres, não resolveremos os problemas do mundo”, sustenta.
Neste sentido, o pontífice argentino contesta uma “autonomia absoluta” dos mercados e da especulação, que contraria a necessidade de “resolver as causas estruturais da pobreza”. Em conclusão, Francisco recorda que o Evangelho “não condena os ricos, mas a idolatria da riqueza, que os torna insensíveis aos gritos dos pobres”, pelo que considera o ‘pauperismo’ como “uma caricatura do Evangelho e da própria pobreza”.
Os católicos, defende, são chamados a “cuidar do próximo, de quem é pobre, de quem sofre no corpo e no espírito, de quem passa necessidade”.
Os documentos dos bispos latino-americanos – em particular de Medellín e Puebla – falam da “necessidade de conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres, em vista de sua libertação integral” (Puebla, n.1134).

Jesus fez a opção pelos pobres

Jesus cresceu no meio de uma realidade conflitante de exploração econômica, de convulsões sociais, de desintegração crescente das instituições e de explosões messiânicas. Desde o início de seu ministério público, Jesus rompe com o poder que escraviza, em sua tríplice dimensão – econômica, política e religiosa –, e assume a causa da libertação dos pobres, presos, cegos e oprimidos (Lc 4,18-19).
A parábola do samaritano solidário (Lc 10,25-37) ilustra bem a opção e a caminhada profética feita por Jesus, modelo para todos os que o seguem. Jesus contou a parábola do Bom Samaritano em resposta a um doutor da lei que lhe tinha perguntado: “Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna?”. Diante da preocupação do doutor da lei a respeito da “vida eterna”, Jesus indica o caminho que promove a vida sem exclusão já neste mundo. O centro da parábola é “um homem”, ícone de todas as pessoas em situações de necessidade. Um homem vítima de assalto, semimorto, abandonado. Jesus revela, nessa parábola, aguda percepção da realidade social. Denuncia o sistema de exclusão e subverte os valores estabelecidos pelos senhores do Templo, aqui representados pelo sacerdote e pelo levita. Ambos viram o homem abandonado e passaram adiante. Contrariamente age o samaritano, pertencente a um povo odiado pela elite religiosa judaica, idealizadora do sistema do puro e do impuro.
A parábola reflete a prática cotidiana de Jesus de Nazaré. Sua vida foi pautada por atitudes de amor e solidariedade, sensibilidade e carinho, acolhida e perdão, cuidado e indignação. Em todos os lugares, suas palavras e ações são portadoras de liberdade e vida para os possessos das ideologias dominantes, para os doentes, enfermos e excluídos (pobres, mulheres, pecadores, estrangeiros).
Há quem diga: Jesus não era nem de direita nem de esquerda, nem de cima nem de baixo… Seria ele um ser etéreo? Ele não fugiu do mundo, dos conflitos e exigências da época. Ele não fica a igual distância dos grupos. Ele participa e toma posição, e o faz a partir de um “lugar social” bem preciso, definindo-se diante da questão vital: a instauração de uma sociedade outra, diferente…

A Igreja fez a opção pelos pobres

O Concílio Vaticano II, por meio da Gaudium et Spes, formulou princípios orientadores para a missão da Igreja num mundo desigual e em transformação.
No fim do Concílio, 40 bispos latino-americanos prepararam e assinaram o “Pacto das Catacumbas da Igreja serva e pobre”: Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje, nas insígnias. Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco… em nosso próprio nome.
Medellín falou alto da temática eclesial da libertação e Puebla da opção preferencial pelos pobres, duas balizas das Comunidades Eclesiais de Base (Cebes). Assim como colaborou a “conversão” da Igreja latino-americana: a descentralização, o movimento do baixo para o alto e da periferia para o centro, enquanto a práxis milenar da Igreja é de cima para o baixo e do centro para a periferia.
Simplificando muito, poderíamos dizer que um grupo de vizinhos, geralmente pessoas das classes populares, decide se encontrar com espírito de fé, tendo também proximidade de consciência social: nasce uma CEB. Então determinantes são os encontros, que podem ser semanais ou quinzenais. Eles são na linha do chamado “círculo bíblico”.
Podemos colocar assim: nos encontros o grupo pega numa mão a Vida e na outra a Bíblia, confronta as duas e decide o que fazer. Em outras palavras: após a oração inicial, os participantes tomam conhecimento da realidade - de um problema existencial, através de dados ou de um fato - , em seguida eles procuram julgar ou iluminar a realidade à luz da Palavra de Deus e, por fim, decidem o que fazer. Em suma, a Realidade (a Vida da nossa sociedade) é projetada no espelho da Bíblia que nos traz a Vontade de Deus: se a Realidade não bate com a Vontade de Deus (com o Reino de Deus) precisa arregaçar as mangas, agir, mudar, transformar. É a hermenêutica do método ver-julgar-agir.
Peregrina neste mundo, a Igreja precisa ser discípula missionária do Senhor. Não distante, burocrática e sancionadora, mas evangélica, comunitária, participativa, realista e mística (CNBB, Doc 100, n. 37). A preocupação da justiça foi sempre presente na Igreja, embora às vezes fosse equivocada. É nesta preocupação que a Igreja desenvolveu sua Doutrina Social.
O papa Francisco nos diz: “A proposta é o Reino de Deus; trata-se de amar a Deus que reina no mundo. À medida que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, justiça, paz, dignidade para todos” (EG 180).
Dizer “opção pelos pobres” não quer dizer “amar os pobres mais que os ricos”, mas “amar a todos, ricos incluídos, a partir dos pobres”. Jesus não usa duas linguagens, não faz duas propostas: com misericórdia, vai ao encontro de todos, oferecendo-lhes a oportunidade de um novo caminho: é a libertação de todos a partir dos pobres. Zaqueu toma consciência (Lc 19,1-10): enriquecera a custa do empobrecimento do povo. Ele se compromete a restituir o que roubou e Jesus lhe garante: “Hoje a salvação chegou a esta casa”.
O saudoso Dom Helder Câmara nunca se perguntou sobre a opção pelos pobres, porque, para ele, só havia essa opção. Essa era a opção do próprio Deus.


Pense nisso. Saúde e paz.

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